Texto curatorial de Alex Hamburger para exposição Paisagens Randômicas na Galeria Caixa Preta - 2015

​​​​​​​Os registros que ora se nos oferecem à contemplação foram ensejados pelo curioso, profícuo e difuso panorama das metrópoles. Passagens fixadas pela mirada de um dispositivo móvel prismático da ideia, entretecidas por um imaginável emaranhado de fios condutores.
Paisagens marcadas por uma heterogeneidade radical, plena de zonas duplas, mistas e múltiplas, abertas para quem estiver disposto a explorá-las como aqui intentado por uma lente inquieta e “varredora”. Esta mostra, a princípio uma investigação em lançar luz no enorme potencial da espacialidade, de um terceiro lugar, ou terceiro espaço, segundo o conceito luminar de Edward Soja, também pode ser considerada um espaço de alteridade, identificando-se bastante com a junção do real e do imaginário e indo além da lógica binária. Consequentemente, um espaço de co-presença, multifário e hostil aos limites e demarcações territoriais foi estabelecido. Seus trajetos foram pontilhados por aquele caminhar à esmo do flanêur baudelairiano, percorrendo espaços intermediários (esses 3ºs espaços), que implicam ao mesmo tempo uma política urbana de desenvolvimento artístico e uma política artística de desenvolvimento urbano.
Nesse sentido, algumas linhas-mestras traçadas tiveram por objetivo empreender um esquema de atuação semi-nômade, psico-geográfico. De fato, a tropa nômade, o urbanismo unitário, o estudo da deriva, são articulações características da ‘fábrica urbana’, e como tal, não poderiam deixar de ser contemplados pelos diversos ângulos e súbitas paisagens dessas pictures at an exhibition.Essa trajetória, através de espaços randômicos, instáveis, substitui uma fixidez intolerável, recorrente e arraigada do olhar sobre os objetos, quaisquer que sejam, fazendo com que esse desafio implique numa liberdade transdisciplinar, questionadora de posturas e atitudes que não são mais exclusivas de geógrafos, arquitetos e toda a gama de idealizadores urbanos.
A “foto-grafia” que, como na presente mostra é elevada à condição de “escrita da luz”, nos remete às considerações de Lukács relativas à desastrosa abolição por parte da sociedade contemporânea da “historicidade dos sujeitos”, ou seja, avaliar experiências marcantes e primordiais com a devida exigência. Mas no final dos anos 60 esta “tecno-grafia” alcançou um novo significado na arte: juntamente com a sua utilização como um meio “comprometido” com a realidade, que permitia o registro de proposições e ações de toda ordem, foi utilizada por artistas conceituais com a meta de oferecer uma expressão visual às suas ideias (plásticas, poéticas, performáticas, etc.). Assim, foi empregada tanto como mídia imagética objetiva, apropriada para possibilidades seriais e tipológicas, como um meio de comunicação visual de captação ampliada. Com os seus efeitosretinianos difusos, invariavelmente contestava o valor rígido do objeto artístico, tendo sido decisiva na análise de realidades permeáveis, além de constantemente interrogar o papel da expressão como gênero artístico clássico.
De uma forma extensiva, o percurso que insinua estas imagens parece-nos querer produzir uma dose ainda maior de dissenso, propondo novas e sensíveis formas de verificar e apreender o entorno pela transposição de enquadramentos, escalas e ritmos, estabelecendo novas relações entre aparência e realidade, entre o comum e o singular, o visível e os seus significados, convergências e divergências, mecanismo-olho. Ou como nas palavras de Lefebvre, qualificar o panorama das cidades como uma máquina de possibilidades em buscar formulações ainda mais esquivas mas não menos enlevadas.

Alex Hamburger
Março de 2015.

You may also like

Back to Top